A estranha relação da direita liberal com a universidade pública

A “direita liberal”, como se sabe, é aquela que defende  “mercado” como princípio geral da sociedade, advogando uma política radicalmente privatista. Não necessariamente propõe o liberalismo em geral: pelo contrário, é muito frequente a mistura de liberalismo econômico com um conservadorismo cultural, às vezes nas raias do fanatismo religioso e do racismo.

De qualquer jeito, nossos bravos liberais muitas vezes não tem na educação uma exceção ao seu fundamentalismo de mercado. Mas tem uma relação muito estranha com o ensino superior público.

Embora defendam a privatização ou cobrança de mensalidades nas universidades públicas, eles fazem questão de prestar vestibular, de fazerem seus filhos prestarem vestibular, e de estudar de graça, sempre que for possível. Eles vão alegar que “não existe almoço grátis” e que na verdade pagam impostos. Acontece que não pagam sozinhos, ao contrário da mensalidade, que é um contrato entre particulares, o investimento público é um contrato social.

Eles alegam ainda que o ensino superior deve ser privatizado, pois apenas “serviria aos abastados”. A privatização, ou pelo menos a cobrança de mensalidades, seria uma questão de justiça social. Acontece que eles se opõe à noção de justiça social, e, além disso, são contra cotas para estudantes de escolas públicas, de baixa renda e de etnias discriminadas. Ou seja, são contra as medidas que aumentam a inclusão de alunos de origem popular nas universidades públicas, mas usam a relativa raridade desses alunos para advogar a cobrança de mensalidades ou privatização.

Muitos dos direitistas liberais são concurseiros, ao mesmo tempo em que propõem a filosofia do “Estado Mínimo”. Querem usufruir de direitos trabalhistas como servidores concursados, mas atacam os direitos trabalhistas e previdenciários (dos outros). Aliás, por mais que digam admirar os “empreendedores”, eles aparentemente preferem a segurança do emprego estável aos riscos do empreendedorismo.

Finalmente, é muito conhecida a atitude idólatra e fetichista que os direitistas liberais nutrem por bugigangas tecnológicas quase-supérfluas, que são produzidas com tecnologia de origem estatal (a maior parte da pesquisa aplicada e quase toda a pesquisa fundamental são sustentadas por investimento público). No entanto, eles parecem achar que o ensino superior é apenas “fábrica de diplomas”, sem necessidade de conexão com a pesquisa. E sem universidades públicas, a pesquisa científica no Brasil seria quase extinta, com poucas exceções. Sem pesquisa, sem tecnologia – sem bugigangas que eles idolatram. Seria o triste fim da ideologia regada a todynho e leite com pêra.

 

Um comentário sobre “A estranha relação da direita liberal com a universidade pública

  1. Acho que vale uma comparação reflexiva do “liberal da USP” com o que os olavo-trolliistas chamariam de “comunistas de iPhone”

    Passando ao largo do evidente o fundo de raiva por ver uma de suas bugigangas idolatradas nas mãos de alguém que não pertence ao mesmo grupo, a base dessa acusação é que alguém de condição econômica boa está predestinado ao lado playboy da força na adolescência e a se tornar um capitalista voraz na vida adulta, como se devêssemos fidelidade às idéias que nos são impregnadas pela nossa classe social desde o berço.

    Ora, acho até preferível que o sujeito se esforce para sair de sua condição de classe média apática, mesmo que não consiga fazer uma revolução e fique ali naquela intermediária da esquerda festiva, já é um a menos girando as engrenagens do sistema (ou, pelo menos, um girando com menos força).

    No caso do “liberalista da USP”, acho uma opção óbvia e esperta (dentro da lógica deles) que, numa época em que o conhecimento é visto como bem (“asset”), liberais formarão fila na porta das universidades públicas. O liberal que, por questão de princípio, preferisse um curso pago de qualidade inferior seria muito burro. É claro que é sempre bom apontar a contradição do outro, provocá-los um pouco.

    Mas, no fim das contas, é preciso observar a diferença e ver quem se deu bem/mal: o liberal que ingressa numa boa universidade pública está “traindo seus ideais” para de fato ter benefícios na vida; enquanto o “esquerdista de iPhone” estaria apenas supostamente passando recibo de uma ruptura incompleta para obter apenas para obter um produto mais caro e fetichista.

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